“Chiado abaixo”

dc.contributor.authorGuimarães, Joaquim de Vasconcelos
dc.date.accessioned2024-04-19T10:04:13Z
dc.date.available2024-04-19T10:04:13Z
dc.date.issued1926-06/07
dc.description.abstractEm jeito de crónica de costumes, o autor elabora, em três secções, um retrato da agitada vida do Chiado e, como consequência, dos seus frequentadores. A primeira secção, “Chiado a zéro”, reflecte o empobrecimento moral de alguns espaços, aludindo ao anglicismo "spleen", que, de um modo geral, designa a melancolia que normalmente estereotipa os membros das classes mais elevadas. Já a segunda secção, “O Poeta Chiado”, dedicada ao poeta António Ribeiro Chiado (1520-1591), inicia e termina com a mesma frase redigida em inglês, nomeadamente “'The right man in the right place'”, reflectindo a pertinência da estátua, inaugurada em 1925 e elaborada por António Augusto da Costa Motta (1862-1930), em homenagem ao Chiado, presenteando os trauseantes com uma gargalhada satírica. A última secção – “Dois Portuguêses” – apenas ridiculariza certas atitudes e hábitos do povo lusitano.
dc.description.printing_nameIlídio Perfeito
dc.format.extent12-13
dc.identifier.urihttps://cetapsrepository.letras.up.pt/id/cetaps/114493
dc.language.isopor
dc.publisher.cityLisboa
dc.relation.ispartofA Revista
dc.relation.ispartofvolume6
dc.researcherMarques, Gonçalo
dc.rightsmetadata only access
dc.source.placeBN J. 2779//2 B
dc.subjectAnglicismos
dc.textChiado Abaixo Caixa de amendoas O Luiz d'Oliveira Guimarães, quis dar um presente a todas os suas amigas de saias curtas e cabelos cortados e ofereceu-lhes pela Paschoa uma caixa d'amendoas. Julgo que recebeu varias encomendas da Marques e da Benard e o autor que andara toda a manhã por casa de quantas Mlls. Ananaz e Bom Bocado conhece, feito chasseur de pastelaria distribuindo Caixas d'amendoas, teve um trabalhão com os pasteleiros em lhes explicar que as suas amendoas não eram de comer; que em logar de serem amendoas em assucar - eram amendoas em verso! Sucedeu que no Sabado d'Aleluia, as livrarias tiveram imensa concorrencia, porque quem entrava na Marques e pedia uma Caixa d'amendoas, de lá invariavelmente respondiam: - Caixa d'amendoas, isso agora é ali defronte no meu vizinho, na Bertrand … S. Magestade o Automovel O automovel marcou uma nova era na historia da humanidade. Depois da idade da pedra lascada e da pedra polida, vivemos na idade do Rolls. O automovel é o afiche, o cartão de vizita do rapaz do século. Dominou o homem, e o homem que criou o automovel veiu a final a ser criado por ele. A maior obra do automovel é o homem. Ha dias Mlle. Relampago e uma das suas mui variadas amigas saía da Marques. Á porta, ao volante dum explendido Alfa um rapaz, vinte e dois anos barbeados, cuja paternidade começou a ser conhecida no 2.º ano de guerra, e a quem discretamente chamarei o Sr. Vient de Paraitre, olimpico, esplendido, lustroso, acabadinho de fresco, dominava. O Chiado era dele. . . o Chiado, Lisboa e … as lisboetas. O Sr. Vient de Paraitre agradou-se de Mlle. Relampago, interessou-lhe, e com o seu belo ar de Triunfador, fitou-a com flécha e ofereceu-lhe um logar no trôno. Mlle. uma carinha d'amendoa francêsa, onde caprichosamente estavam pintados dois olhos verdes, gaiatamente deixou ver uma fiada de dentes brancos, olhou o Sr. Vient de Paraitre, escorregou curiosamente o olhar pelo carro, desde o metalico do capot á venissaje da carrosserie, sorriu para a sua amiga, e finamente. maliciosamente deixou fugir: - Mas que lindo automovel! Não sei se o Sr Vient de Paraitre teve tempo de lhe agradecer o elogio. Mlle. Relampago no mesmo instante atravessou a Rua e descia o Chiado. Fretes O Chiado tem fóros de provincia portuguêsa. Tem as suas cidades : a Marques, a Bertrand e a Brasileira. A antiga capital, a Havaneza, que actualmente sofre de gotta e defluxo e é considerada Monumento Nacional, passou á historia. Mais tarde em futuras escavações arqueologicas é possivel que em montão de veneraveis reliquias se encontre o cravo vermelho do Sr. Eduardo de Noronha. Nem se comprehende a Havanesa sem o ornamento florido d'aquelle senhor. A Marques é numa criação do Damaso Salcêde, e não sei porqué sempre que subo o Chiado ao passar-lhe em frente tenho a impressão de ver, ali, especado entre portas, flamante, roliço a estoirar banhas no paletot azul ferrete o Damaso. O Damaso se fosse vivo tomaria chá na Marques. A Bertrand? a Bertrand é um alforge literario ; é o Entroncamento do Chiado. A sua população alastra desde a porta até á esquina da R. Anchieta, são os filosofos, os literatos, os homens da Ideia. Uma tarde destas na Brazileira, precisamente no mesmo dia em que á porta do café foram encontradas mortas algumas viboras que tiveram a infeliz ideia de ali entrar e morder alguns dos seus frequentadores, e que por isso ísso morreram envenenadas; não sei quem apontava um grupo que à esquina da Bertrand discutia e gesticulava ardorosamente. «Alto e grande problema filosofico se debate por certo «Aqueles senhores são sabios, fizeram monopolio do saber humano, fretaram-no. « Sim, do lado alguem respondeu, por isso mesmo é que não largam a esquina, é uma questão de frete» O Desastre do «Zigg» Ha dias fui tomar chá a casa de Madame Z. Madame Z é casada com o nosso consul em Bleakford. Madame Z não tem filhos; possue uma riquissima coleção de cães. O Chiado marcou-lhe a existencia quando n'uma tarde doirada de fins d'outono se via já nas montras o inverno tentar as mulheres com os seus abafos ricos; e desceu com dois galgos brancos á trela. Os cães são a sua paixão, e foi uma dificuldade para o marido o convence-la a abandonar a cidade inglesa onde viviam, quando chamado pelo ministério teve de vir para Lisboa. Em Lisboa, não ha exposições de cães, é um horror! Madame teve de ceder, e veio, veio ela e vieram os seus cães. Nos jardins da casa tem-nos divididos por raças em canis feitos segundo a traça d'um tecnico inglês. Na sua preciosissima coleção vamos encontrar desde os horrivelmente belos Bull-Dog, até aos minusculos e guedelhudos japoneses Fan-Sing. Coisa curiosa; em todos exemplares não encontramos nenhum Pomeramia. Durante o chá, naquele ambiente artificialmente intimo onde se fumam abdulas, e se discutem aqueles assumptos que se perdem no fumo dos cigarros que se gastam e se esquecem mal saímos a porta, repentinamente, nervosamente retiniu n'nma chamada a campainha do telefone. Madame pousou de vagar a chicara da India, por onde a pequenos goles fingia tomar o seu chá, e correu o aparelho: « Allô!... oh! grande ingrata!... Porque não apareceu?... Uma desgraça ?... Anh?... o seu carro!.. esse belo Lancia?... um choque! ah! morreu uma creança !...Sim, claro, foi para a Morgue... que trapalhada, imagino! Sempre o desleixo dos pais... depois a culpa é nossa, como se podessemos impedir que sejam atropeladas todas as crianças que andam pelas ruas!... E o Ziggi’a? . . . O quê o quê… por isso mesmo é que... Ferido?... n'uma patinha! . . oh! dear Zigg!... que desgraça!… que horror!. Pobre Zigg!... Vou já lá! Madame pousou o auscultador, e nunca mais n'essa tarde brilharam alegremente os seus lindos olhos rasgados em amendoa e da cor dum sonho azul, nem a sua boca, pequena mancha de sangue muito a mêdo e levemente pincelada no branco roseo da sua cara, se franziu n'um sorriso todo luz, como só Madame Z sabe ter. O chá escorregou sensaborão e triste e quando sairam todos, Madame Z pediu-me nervosa, que a acompanhasse no séu Packard, a pedir noticias do Zigg aquele minusculo cão japonez oferecido dias antes á sua amiga que tão desastradamente provo-cara um desastre de automovel que o feriu. 1926 JOAQUIM DE VASCONCELOS GUIMARÃES
dc.title“Chiado abaixo”
dc.typeartigo de imprensa

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