“Em face da literatura contemporânea e actual”
dc.contributor.author | Júnior, António Sérgio de Sousa | |
dc.date.accessioned | 2024-04-19T10:04:01Z | |
dc.date.available | 2024-04-19T10:04:01Z | |
dc.date.issued | 1925-08/09 | |
dc.description.abstract | Num artigo que expõe a relevância da cultura estrangeira na literatura contemporânea portuguesa, o autor recorre às palavras do lusófilo inglês Aubrey FitzGerald Bell (1881-1950), que induzem a reflexão sobre as habilidades de escrita dos autores portugueses. | |
dc.description.authorDate | 1883-1969 | |
dc.description.printing_name | Alberto R. Bastos | |
dc.identifier.uri | https://cetapsrepository.letras.up.pt/id/cetaps/114442 | |
dc.language.iso | por | |
dc.publisher.city | Porto | |
dc.relation.ispartof | Revista Mensal | |
dc.relation.ispartofvolume | 1 | |
dc.researcher | Marques, Gonçalo | |
dc.rights | metadata only access | |
dc.source.place | BN P.P. 10066//13 V. | |
dc.subject | Literatura | |
dc.text | EM FACE DA LITERATURA CONTEMPOR NEA E ACTUAL À geração universalista e crítica de 1870 (Antero, Oliveira Martins, Eça, Ramalho, etc.) sucedeu nas nossas letras a geração nacionalista de 90, suscitada pelos filólogos. Tudo teria sido excelentíssimo, se nacionalismo, aqui, significasse interêsse mais profundo, mais directo, pelas coisas nacionais, sem perda do espírito crítico e universalista da geração de 1870. Não sucedeu, infelizmente, assim. O nacionalismo foi, quási todo, estreitamente esteta, muito exclusivamente voltado para o pretérito, e ridiculamente chauvin e infantil. A cultura desceu, o espírito estreitou-se. Na literatura de ficção, concentrou se demasiado esfôrço nos artifícios de forma e de vocabulário, em prejuizo do estudo da alma humana, que é na literatura o essencial. Ao mesmo tempo que a acrobacia do verbo nos fazia esquecer, ou perdoar, a fraqueza da substância, e que o léxico substituía o espírito, prolongava-se a direccão encetada, passando-se do nacionalismo ao regionalismo, e perdendo-se assim cada vez mais no que respeita à essência e ao interêsse humano. Na literatura não novelística - na literatura crítica e de ideias, - viu-se perfeitamente quanto o português é papagaio. Importaram-se de Paris, de França os escritores reaccionários, que forneceram aos nacionalistas, tradicionalistas, etc., o magro cabedal de algumas noções. Nunca houve fonografia igual, tanto psitacismo e automatismo. A aceitação das fórmulas que estão na moda dispensa um cavalheiro de pensar por si. Surgiram-nos puros motivos, que deveriam sempre ter feito versos, e só versos, transformados em ensaístas, filósofos, historiadores. Um público de literatos e amadores das letras, pretencioso mas inculto, aplaudiu fogoso como obras de génio os maiores desconchavos que pode haver. Revelou-se-nos o triste facto de que os grandes escritores de 1870 (Antero, Oliveira Martins e Queirós) eram casos esporádicos, meramente individuais; que não tinhamos, em suma, uma cultura correspondente ao espírito da sua obra. Foram mentalidades estrangeiras, que se exprimiram em português, mas sem correspondência em Portugal. Portugueses, por enquanto, - Camilo e Junqueiro, no que eles teem de menos bom. Remédio? Buscar no estrangeiro, não ideias e convicções, mas cultura. Opôr à mera ligação de palavras um verdadeiro funcionamento do nosso espírito. As peças de um cérebro, entre nós, mechem-se ao acaso, não funcionam. Muitos portugueses não percebem isto, porque sofrem do mesmo mal que os « intelectuais». Os estrangeiros, porém, percebem-no; e fecho, por isso, com estas palavras de Aubrey Bell: «A literatura portuguesa tem revelado, especialmente nêstes três últimos séculos, pouca disciplina intelectual ou senso crítico. Ao vago do pensamento corresponde desconexão e pompa no estilo... Exuberância e falta de precisão ou objectividade são os pecados mortais de muita prosa e muito verso português moderno… E é talvez por terem construído sôbre alicerces sólidos de ilustração clássica que João Pascoli e Josué Carducci excederam os poetas portugueses do século XIX... O jornalista que deita para fóra o seu artigo de fundo depois de ter estado cinco anos em Coimbra a fingir que estudava; o poeta que põe ao léu a sua alma em volumes sucessivos e improvisados; o novelista que se imagina capaz, porque leu alguns romances franceses, de escrever outra Madame Bovary ou outra Chartreuse de Parme só com a ajuda de um pouco de talento e de outro pouco de indecência; o crítico ou historiador que imagina construir sôbre impressões e conjecturas, - tôdos êsses fariam bem em ponderar as seguintes humildes palavras de Dante, poeta dos três ou quatro mais inspirados do mundo, e perfeitamente cônscio da sua rara inspiração: «E portanto denuncie-se a estultícia dos que, desprovidos de sciência ou arte e confiantes no talento sem mais nada, se abalançam com orgulho inconsciente às mais dificeis emprêsas literárias. Será bom que desistam de tamanha presunção; e, visto serem gansos por natural indolência, não tentem imitar a águia no seu vôo para os astros». Preferi recorrer a um ponderado estrangeiro, totalmente afastado das nossas lutas, para ganhar mais fôrça de persuasão. Insistir nêste ponto é talvez antipático: mas é útil, e o maior bem que posso fazer. Peço pois aos novos de hoje, aos que querem entrar para a vida das letras, que procurem ganhar uma cultura séria, verdadeiros dotes de pensamento,e probidade intelectual. Consegue-se pela audácia uma glória efémera nêste país; mas a justiça vem a fazer-se, e saindo enganado o enganador. E quem diz que o público não será, amanhã, menos lôrpa do que hoje é? ANTÓNIO SÉRGIO. P. S.- Passo decisivo para a reforma de cultura seria uma Junta de Orientação dos Estudos, - como, sendo ministro, eu quiz fazer. Se a minha geração a não criar, espero que a dos novos a criará. A. S. | |
dc.title | “Em face da literatura contemporânea e actual” | |
dc.type | artigo de imprensa |