“Crítica Literária. Sinfonia de abertura – A Crítica – “Os Pescadores” de Raúl Brandão”
dc.contributor.author | Pimpão, Álvaro Júlio da Costa | |
dc.date.accessioned | 2024-04-19T10:04:02Z | |
dc.date.available | 2024-04-19T10:04:02Z | |
dc.date.issued | 1924-05 | |
dc.description.abstract | Numa apreciação à obra Os Pescadores (1923), de Raul Brandão (1867-1930), o autor recorda um episódio que envolveria o Embaixador português em Londres à data, Augusto de Castro de Sampaio Corte-Real (1883-1971), que haveria contribuído para o reconhecimento público da obra em análise. O artigo faz ainda uso do anglicismo “folk-lore”, numa crítica à falta de novidade que da obra adviria. | |
dc.description.authorDate | 1902-1984 | |
dc.description.printing_name | Álvaro Júlio da Costa Pimpão | |
dc.format.extent | 14-15 | |
dc.identifier.uri | https://cetapsrepository.letras.up.pt/id/cetaps/114456 | |
dc.language.iso | por | |
dc.publisher | Gráfica Conimbricense | |
dc.publisher.city | Coimbra | |
dc.relation.ispartof | Via Latina (A) | |
dc.relation.ispartofvolume | 1 | |
dc.researcher | Marques, Gonçalo | |
dc.rights | metadata only access | |
dc.source.place | BN J. 2768//9 B | |
dc.subject | Literatura | |
dc.subject | Crítica Literária | |
dc.text | Crítica literária Sinfonia de abertura - A Crítica "Os Pescadores" de Raul Brandão. É ponto incontroverso, assente e demonstrado, que a produção literária está atingindo em Portugal as proporções da fábula. Cada dia as montras ostêntão, numa brochura de vinhetas coloridas, algumas de péssimo gosto, três ou mais novidades literárias; e quando vou à Baixa é já como se levasse um recado encomendado: vou ler os títulos novos e apreciar as vinhetas novas nas montras revelhas da Lumen e da Coimbra Editora. Costuma dizer-se que a quantidade supre a qualidade e que, muitas vezes, a febre de produzir não tem correspondente num motivo artístico original e escolhido. Em todo o caso, nesta aluvião de letra redonda que está desabando sobre um País de tão poucas letras (e à qual nós viemos juntar, com a delícia pecadora dum vício em moda, a nossa cota parte), nesta aluvião, dizíamos, parece que ha qualquer coisa de bom, muito mesmo com que alimentar as exigências e os precon- ceitos exigentes da Crítica. As palavras são como as cerejas: queremos duas, vem um cacho de duzentas... E eu que comecei a falar de livros e de montras, deixei escorrer da pena a palavra Crítica. A Crítica! Neste magnum mare de letra de fôrma, a Crítica, claro está, tornou-se, em regra, impudente. Na banca do crítico aparecem dezenas de obras por semana. Ler tudo aquilo? Impossível! Aniquilar reputações nascentes? Perigoso! Vamos ao caso que a obra alvejada e que ficara entre aqueles que a faca de papel não tivera tempo de abrir, era alguma coisa de aproveitável?!... Ha hoje um ar tão subtil, tão fino, de intelectualidade suspenso por todo o País, que seria realmente estranho que o crítico viesse, com dois borrões de tinta, empanar êste hieratismo da inteligência, superior, absoluto, invulnerável! O crítico hoje não aniquila nem desfaz as ilusões do autor do primeiro livro. Duas palavras, mão por baixo, mão por cima, e eis a obra lançada ao ar livre, com um arsinho aceado e fresco de bébé que saïsse da pia baptismal. Desaparecêrão, portanto, as obras más. As que o são, em consciência, pertencem, pelas colunas de prosa dos críticos de parada, aos rapazes de talento. As que o não são, em consciência também, são extraordinárias. Estas pertencem aos consagrados. O crítico falou: e a obra, como por encanto, desaparece do mercado. Emquanto aquele conservou uma mudez de pedra, a fama da obra foi alguma coisa de vago. A revelação é o elogio da gazeta. Até lá os exemplares abolorecem e destingem na poeira das estantes. Falo, claro está, da generalidade. O século XIX, deu-nos o jornal - e o jornal, por sua vez, com a sua crescente popularidade, deu-nos a estrondosa ruïna do pensamento. Já não falo dos críticos que folheião duas páginas dum livro para estabelecerem sôbre ele uma opinião que repútão inabalável. Falo dos leitores, dos que armazenam todos os dias algumas dezenas de sábias opiniões, colhidas na leitura do seu jornal. As nossas conclusões são hoje formadas à custa de impressões. Isto já era verdade no tempo do inimitável Eça. Hoje ainda o é mais. Não é sem um sorriso, que alguns alcunharão de irreverente, outros de atoleimado, e eu de justo, que recordo o dia em que o actual Ministro de Portugal em Londres, a um tempo jornalista e escritor, Augusto de Castro, em fim, consagrou uma coluna da sua castiça prosa, no Diário de Noticias, à última obra de Raul Brandão. Nesse dia célebre, e no seguinte dia, os exemplares de Os Pescadores, de que já lá hia a primeira edição, e que continuava constituindo um bom êxito de livraria, desapareceu das estantes. Ali o Neves pasmava da venda. Eu redargui: - É que Augusto de Castro falou. Aponto o facto - não discuto autoridades. E para falar de Os Pescadores veio-me outra vez à ideia recordar o pingente de cerejas e é que recordava, se não fôra a indiscrição da minha particularíssima preferência pelo asiático fructo. Duas observações pessoais apenas, sôbre Os Pescadores. Numa bela cobertura de Alberto de Sousa, dum naturalismo simbólico de aquilatado gôsto, apareceu já ha bastante tempo Os Pescadores, de Raül Brandão. Critica, ou melhor, análise ao livro, afóra as duas linhas do meu colega José Régio, na Byzancio, ainda não vi mais nenhuma. Elogios, sei eu que os houve, e em barda. Os Pescadores constitui o primeiro quadro de uma tetralogia em que o autor se propõe tratar da vida humilde do povo português. Seguir-se hão aos pescadores - os lavradores, os pastores e os operários. Pôsto que Raül Brandão tenha chamado ao seu livro - Os Pescadores, e se propusesse tratar nele da vida humilde dêstes, suspeito de que tivesse atingido o fim. E porquê? Di-lo hei em pouco: é que não é possível escrever tresentas páginas àcêrca da vida humilde dos pescadores. Se o fôsse - Raül Brandão tê-lo hia feito. A vida dos pescadores é tão simplez, tão idêntica a si mesma, que reputo impossível tomá-la por têma dum vasto quadro. Tomar aqui, àlém, um rápido esboço, reter um tipo, focar um alar de rêdes, descrever um prateado de escamas, é possível, mas ha que enquadrá-lo na païsagem, no quadro marítimo, todo névoa, oiro, azul e verde. Foi assim que eu, em procura duma síntese, defini o livro de Raul Brandão como uma esplendida marinha em que os motivos se repetem. O mar é monótono. A terra não. O mar é um quadro único que póde, quando muito, constar de três motivos: nascer do sol, meio dia e pôr do sol. Á noite, o mar é um rouco medonho apenas. A vida dos pescadores, vivida por sua vez através de trezentas páginas, tornar-se hia horrivelmente fatigante. Raül Brandão pouco diz da vida dos pescadores, porque, mesmo, é a vida nada mais tinha a dizer. A vida é aquela - é a vida monótona do pescador da Póvoa, de Mira, da Nazaré, de Olhão, em face do mar monótono, sem balisas. Se se quiser dizer mais - ha que repetir o que se disse. A vaga também é monótona de manhan à noite. O livro de Raül Brandão é o livro da costa de Portugal, desde Caminha a Tavira não é, quanto a mim, o livro da vida humilde dos pescadores. E, sim, um livro de côr, de gradações marinhas, ¡ de luz! Raül Brandão bebeu o azul, o oiro, a névoa e espalhou o azul, o oiro, a névoa tão habilmente como o faria um pintor de génio. Os Pescadores é um objectivismo visionado através duma saudade e dum atavismo. É um concerto de sete côres: oiro, azul, verde, branco, roxo, violeta e vermelho. Quando não é côr, é névoa. Repare-se ainda: o livro de Raül Brandão é feito de notas, de comentários leves, notas por vezes um pouco técnicas, comentários às vezes um todonada descritivos. É uma brochura de pequeninas télas com tintas diluidas na poalha doirada, com reflexos de verde e azul, de azul e verde-o verde e azul eternos das télas marinhas. Não é mais. O mar tem de ser tomado assim, em impressões que tênhão a rapidez dum cliché. É pois um livro de retalhos, de belos retalhos, muitas vezes - mas onde em vão se procura a harmonia singela da vida dos pescadores. É que os pescadores, e eu queria chegar a isto, são no livro de Raul Brandão, um acidente, são os tipos sumidos no oiro da marinha. Sem dúvida, ha no livro de Raül Brandão figuras de drama, que se destácão do enquadramento da païsagem. A Ana, o arrais que morre com o leme nas mãos crispadas, a Maria da Sé, têm um recorte vigoroso, impressionante, de tragédia. Mas ao lado destas, e dé alguns tipos mais, bem definidos, sobretudo de molheres, Raul Brandão mostra-nos pescadores incaracterísticos, e então as mazelas da vida marítima: o peixe, cheirando que tresanda, os pescadores que gástão os dez reis na taberna, o terrível faroleiro das Berlengas, que volta costas ao mar, ao mar do seu ódio, as molheres que desejam a morte dos maridos para levantarem cabeça, as viscosidades que arripião, a sangueira do atum, que enoja, etc. Eu preferiria antes que o livro de Raul Brandão viesse juntar ao folk-lore nacional, alguma coisa de novo. Desejaria sentir a vida dos pescadores nos seus usos, nos seus costumes, nas suas tradições e na sua linguagem, através dessa longa costa portuguesa. Quereria conhecer da vida dos pescadores aquilo que os distingue em Caminha, em Aveiro, em Cesimbra, em Olhão - e não aquilo que os incaracteriza. Nota curiosa: as molheres de Os Pescadores, chórão, praguêjão - mas não cântão. O grosso volume de Raül Brandão, consta, na maior parte, de païsagens e de memórias. É um livro de imagens, de reminiscências, recordadas numa frase curta, lapidar, nervosa e incisiva. A lingoagem de Raül Brandão é admirável para a côr e para o drama. Da vida dos pescadores, da sua vida de lágrimas e de tragédia, diz tudo - e diz pouco. Se o livro de Raül Brandão tivesse o nome de Costa de Portugal, teria satisfeito o meu espírito. Assim, ficou qualquer coisa de suspenso em mim, ao decidir da incondicional perfeição de Os Pescadores. Em todo o caso, para que um livro tenha três ou quatro edições, é antes de tudo necessário que ele tenha qualquer coisa de bom - ou qualquer coisa de mau. Os Pescadores que têm muito de bom, já tem três edições. As Palavras Cinicas que têm muito de mau, já vão no trigésimo milhar. C. P. | |
dc.title | “Crítica Literária. Sinfonia de abertura – A Crítica – “Os Pescadores” de Raúl Brandão” | |
dc.type | artigo de imprensa |