“A actualidade de Rabelais”
dc.contributor.author | Vasconcelos, Amadeu de | |
dc.date.accessioned | 2024-04-19T10:04:01Z | |
dc.date.available | 2024-04-19T10:04:01Z | |
dc.date.issued | 1922-02-25 | |
dc.description.abstract | Num artigo que reflecte sobre o ainda importante papel do escritor, padre e médico francês François Rabelais (1494-1553), e sobre a celebração do seu séptimo centenário pela Faculdade de Medicina de Montpelier, o autor destaca a influência internacional do seu pensamento, que chegou à Inglaterra. | |
dc.description.authorDate | 1879-1952 | |
dc.description.printing_name | A. Pinto d’Almeida | |
dc.format.extent | 10-12 | |
dc.identifier.uri | https://cetapsrepository.letras.up.pt/id/cetaps/114448 | |
dc.language.iso | por | |
dc.publisher.city | Porto | |
dc.relation.ispartof | A Vida Intelectual de Paris | |
dc.relation.ispartofvolume | 1 | |
dc.researcher | Marques, Gonçalo | |
dc.rights | metadata only access | |
dc.source.place | BN J. 2687//5 B | |
dc.subject | Ciência | |
dc.text | III. A actualidade de Rabelais ¿A ACTUALIDADE de Rabelais? A actualidade de Rabelais é talvez uma redundância, pois que o génio de Rabelais, como o de Aristofanes, paira por cima das circunstâncias da vida e da história, não deixando nunca de ser actual. E para que essa actualidade permanente não seja olvidada ao menos da gente letrada, existe mesmo em França uma «Sociedade dos Estudos rabelesianos» que, sob a superior direcção de Abel Lefranc, professor do Colégio de França, publica uma revista de elevada cultura consagrada a Rabelais e à história do século XVI, e uma edição crítica de Gargântua e Pantagruel que tem recebido o mais caloroso acolhimento no mundo. inteiro. Realmente não é só em França que existe um verdadeiro culto por aquele de quem Chateaubriand disse: «Rabelais, de quem derivam as letras francesas...» Em muitos países da Europa, Bélgica, Holanda, Suíça, Itália, Inglaterra, Suécia, Noruega e nas duas Américas, Rabelais conta numerosos cultores da sua obra. Por duas vezes, em 1909 e 1914, as universidades de Harward e Chicago convidaram Abel Lefranc a ir fazer no seu seio um curso sobre os estudos rabelesianos que há mais de vinte anos o apaixonam. Celebrando agora a Faculdade de Medicina de Montpellier o seu sétimo centenário, foi uma parte das festas para honrar a memória e a obra daquele que ela considera o maior dos seus filhos. E assim Rabelais foi festejado não só pela estátua que Montpellier acaba de inaugurar, mas ainda por toda a imprensa parisiense e em todos os tons desde o estudo erudito ao estudo ligeiro de vulgarização. E bem merecida era a comemoração da estranha carreira dêste génio universal que de monge mendicante passa a beneditino, a doutor e professor de medicina, para morrer pároco de Meudon, mostrando-se por toda a parte e sempre ávido de sciência. É em Setembro de 1530 que Rabelais, em hábito de padre secular e sem autorização dos seus superiores, chega a Montpellier para tomar os seus graus em medicina. Matriculado na Faculdade em 17 do mesmo mês, seis semanas depois, em virtude de estudos médicos anteriormente feitos, fica bacharel em medicina. Em Abril de 1537 recebe o grau de licenceado e em Maio do mesmo ano o de doutor. Os regulamentos muito rigorosos da Faculdade exigiam três anos de freqüência para o grau de bacharel, muito importante então, pois abria a carreira da clientela e o noviciado do ensino. Mas Rabelais pelos conhecimentos médicos que mostra possuir obtém a dispensa de tais rigores e assim o novo bacharel, respeitado e considerado por companheiros e mestres, aparece a explicar, em 1531, directamente no texto grego, o que era uma novidade, os Aforismos de Hipocrates e a Arte médica de Galeno. Entre êste estágio professoral e o doutoramento, a vida de Rabelais é um pouco errante, ocupando-se de medicina e mais ainda de literatura e de filologia. A permanência total em Montpellier reduz-se apenas a dois anos e meio. O restante tempo até ao doutoramento é passado em Lyon e na Itália, sem falar numa curta passagem por Paris. Mas durante toda a sua permanên- cia em Montpellier e a-pezar-de ser um estudante um pouco amadurecido, pois no momento em que faz a súa primeira matrícula conta já quarenta-e-oito anos, viveu inteira e intimamente a vida do estudante e da Faculdade. Quando abandona Montpellier, a veneração pelo seu talento é tal que se torna lendária através dos séculos. A sua veste doutoral é religiosamente conservada, transformando-se numa relíquia da Faculdade. Os novos doutorandos vestem-na no dia do acto triunfal da sua carreira. Quando o uso a gasta, substituem-na, mas é sempre "a veste doutoral de Rabelais". Foi renovada em 1612 e em 1720. Mostram-na ainda hoje como sendo «a veste de Rabelais". Se a formação scientífica de Rabelais muito deveu à célebre escola de Montpellier, por sua vez Montpellier muito ficou a dever a Rabelais. Foi para ela o verdadeiro embaixador da Renascença. Contribuiu poderosamente para aí se restaurarem os estudos gregos, de concerto com o seu amigo, o bispo Guilherme Pellicier, sábio helenista que Francisco I enviou a Veneza para nesta cidade recolher manuscritos gregos. Prestou um precioso concurso para a regeneração do ensino médico quer prègando o regresso às fontes puras da antiguidade, quer recomendando a observação directa e o método experimental. Basta recordar a admirável carta de Gargântua onde êle preconiza o estudo dos «factos da natureza» e as «anatomias freqüentes». Deu emfim à escola que tão entusiàsticamente o acolhera esta imensa sêde de saber, esta audácia de pensamento, esta fé na vida, esta confiança na natureza que eram os sinais dos novos tempos. Lingüista, arqueólogo, astrónomo, médico, polemista incomparável, não devemos, porém, crer que a grandeza de Rabelais esteja em êle ter sido um homem de sciência, um pensador sem igual. Assim o pintou o romantismo e assim tem sido pintado mais ou menos até agora. O admirável discurso em que o ministro da Instrução Pública, Léon Bérard, aliás intelectual de requintada cultura, celebrou a glória de Rabelais, peca um pouco neste sentido. Sem deixarmos de admirar, como diz Léon Bérard, «a prodigiosa enciclopédia de Rabelais» e a diversidade do seu génio, admiremo-lo, acima de tudo, como um dos mais incomparáveis artistas e dos mais maravilhosos escritores que a literatura francesa tem possuído. A sua descendência espiritual, nos séculos seguintes, recebeu os nomes de Molière, La Fontaine, Voltaire, Balzac e Anatole France. Que as sensibilidades delicadas perdôem ao imortal estudante de Montpellier certas audácias, na verdade mais chocantes do que escandalosas, para só se lembrarem do sonoro e imortal riso que nos legou nas mordentes sátiras à sociedade do seu tempo e na criação de tipos tornados lendários e acima de tudo do seu génio transformador da língua francesa, segundo a frase dum crítico, no «canto solene da frase latina». | |
dc.title | “A actualidade de Rabelais” | |
dc.type | artigo de imprensa |