“O centenário das descobertas de Ampère”
dc.contributor.author | Vasconcelos, Amadeu de | |
dc.date.accessioned | 2024-04-19T10:04:01Z | |
dc.date.available | 2024-04-19T10:04:01Z | |
dc.date.issued | 1922-02-25 | |
dc.description.abstract | Numa nota biográfica que reflecte sobre as contribuições do físico francês André-Marie Ampère (1775-1836) para o estudo do electromagnetismo, destaca-se a comparação que o físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) faz entre Ampère e o inglês Sir Isaac Newton (1643-1727), afirmando que as ideias e teorias do francês viriam “do cérebro do Newton da electricidade”. | |
dc.description.authorDate | 1879-1952 | |
dc.description.printing_name | A. Pinto d’Almeida | |
dc.format.extent | 19-24 | |
dc.identifier.uri | https://cetapsrepository.letras.up.pt/id/cetaps/114452 | |
dc.language.iso | por | |
dc.publisher.city | Porto | |
dc.relation.ispartof | Vida Intelectual de Paris (A) | |
dc.relation.ispartofvolume | 1 | |
dc.researcher | Marques, Gonçalo | |
dc.rights | metadata only access | |
dc.source.place | BN J. 2687//5 B | |
dc.subject | Física | |
dc.text | V. O centenário das descobertas de Ampère CHAMEI acima ao século dezanove um século de pedantes. E a verdade é que só um descendente espiritual dos tais, um pedante autêntico, ousará contradizer-me. Com efeito na enorme falange dos oradores, rètóricos e escritores verbosos que, durante êsses vinte lustros, julgavam escrever para a posteridade e ter achado a solução definitiva de todos os porquês, ¿quantos espíritos haverá verdadeiramente originais e que tenham realizado obra que desafie o dobar dos séculos? Oh! estes contam-se pelos dedos. Felizmente são de tal grandeza que o orbe e a sociedade se viram remodelados pelas suas mãos. Entra nesta reduzida categoria Ampère, cuja obra a França acaba de celebrar com a realização de festas comemorativas, uma das quais na Sorbonne sob a presidência do presidente da Rèpública. A Academia das Sciências escolhera o ano de 1921 para glorificar Ampère, porque faz agora precisamente um século que apareceu a famosa memória que estabeleceu as bases da electro-dinâmica e que todos podem ler, pois a casa Gauthier-Villars acaba de a reeditar na colecção Les Maîtres de la pensée scientifique. Não é aqui o lugar para narrar a vida, tão bela e tão comovedora (1) de Ampère. Limitar-nos-hemos, pois, aos factos principais. André-Marie Ampère, nasceu no ano de 1775, em Poleymieux, nos arredores de Lyon. Criança de compleição fraca, raquítica e doente, teve seu pai, um antigo negociante retirado dos negócios, de retardar a sua entrada na escola. Mas - novo Pascal - o jóven Ampère aprendeu só, ou melhor, adivinhou a aritmética. Com pédrinhas que juntava segundo regras só dêle conhecidas, entregava-se o petiz a longos cálculos, de maneira que o pai, que o tinha ensinado a ler, tratou de The fornecer obras de matemáticas. A criança depressa adquiriu todos os conhecimentos elementares, abrangendo as aplicações da álgebra e geometria. Levado por seu pai à biblioteca do colégio de Lyon, dirigido por um sábio geómetra, P. Daburon, Ampère, apenas com onze anos de idade, pediu àquele as obras de Euler e de Bernouilli, relativas ao cálculo integral. «As obras de Euler e de Bernouilli!? - exclamou o bom do padre - mas, meu menino, ¿sabeis vós que estão escritas em latim, e conheceis vós esta língua?" A pobre criança ficou desolada. Mas um ano depois voltava a Lyon já suficientemente apto a compreender Euler e Bernouilli. No intervalo o pároco de Poleymieux tinha-o iniciado nos segredos da língua de Virgílio. Maravilhado por uma tão bela tenacidade, por uma tão extraordinária precocidade e por um tão notável ardor scientífico, o Pe Daburon ofereceu-se para dar ao jóven estudante lições de análise matemática, emquanto que um dos seus amigos o iniciava no conhecimento da zoologia e da botâmica. Aos catorze anos, Ampère tinha lido toda a grande Enciclopédia de Diderot e de Alembert, formando assim o seu espírito sem nunca ter seguido os cursos de qualquer escola ou colégio. Aos dezoito anos, estava de posse, em todas as suas minúcias, da Mecânica analitica de Lagrange. Neste momento, um terrível acontecimento veio perturbar a sua alma. Seu pai era vítima do Terror e subia ao cadafalso. Durante mais dum ano, a razão de Ampère esteve em riscos de sossobrar. A leitura inteiramente fortuita das. Cartas sobre a Botânica, de Rousseau, restituiu-lhe a actividade intelectual e fê-lo retomar interêsse pela vida. De 1794 a 1797, o seu espírito orientou-se no sentido das sciências naturais. No decorrer duma herborização, em 1796, travou conhecimento com M.elle Júlia Carron, com a qual começou um idílio amoroso. Infelizmente Ampère era pobre e a família da sua bem-amada exigia que Ampère pensasse primeiro em arranjar um emprêgo e depois no casamento. O emprêgo apareceu poucos meses depois. Ampère, professor de matemática, casa com a sua bem-amada. Em 1801 passa a ensinar a física no liceu de Bourg e em 1802 é professor do liceu de Lyon que hoje tem o seu nome. Sua mulher morre em 1804 e dêle se apodera novamente um desgôsto que o inibe de todos os trabalhos intelectuais durante perto dum ano. Mas logo uma nova fase se vai abrir na sua vida, fase decisiva que o conduzirá à imortalidade. O astrónomo e inspector Delambre, que o tinha conhecido e apreciado numa visita de inspecção geral, fê-lo nomear repetidor de análise da Escola Politécnica. Recompensava assim o obscuro professor de província que tinha submetido à sua apreciação um trabalho de grande originalidade: a Teoria matemática do jogo. Uma nova existência começou então para Ampère, que pôde entrar em relações com tudo o que Paris contava então de ilustre nas sciências e na filosofia. Admitido na célebre Sociedade de Arcueil, frequentou Chaptal, Bertholet, Laplace, Cabanis, Maine de Biran. Em 1809, foi nomeado professor da Escola Politécnica e depois inspector geral da Universidade. Em 1814, a Academia das Sciências elegia-o para a vaga aberta com a morte do matemático Bossut. Vejamos agora a grande obra de Ampère, limitando-nos à electricidade e pondo de parte, por falta de espaço, as matemáticas e a filosofia. Ela sai toda de fenómenos bem simples, fenómenos que o vulgo - incluindo neste termo as respeitabilíssimas senhorias muitas vezes carregadas de honras, de diplomas, de dobrões, e do que elas chamam, na sua omnimoda estupidez, o espírito prático, mas virgens de discernimento, tão virgens que se todos os homens se regulassem pelo seu espírito prático", a humanidade estaria ainda a estas horas na idade da pedra lascada - ela sai toda de fenómenos bem simples, fenómenos que o vulgo reputa insignificantes, curiosos, quási maluqueiras de sciência pura. O ponto de partida de Ampère encontra-se na experiência clássica do dinamarquês Œrsted, que qualquer criança pode repetir. ¿Que fez Œrsted? Tomou uma agulha de costura e transformou-a nesta coisa misteriosa que é um íman, friccionando-a com um pequeno íman. Na realidade, fabricava assim uma agulha magnética. Colocada na água, onde flutua graças à fraca camada de gordura que os dedos nela deixaram, a agulha comporta-se como uma agulha magnética, orientando-se por si mesma na direcção norte-sul magnética. Œrsted fez, pois, uma bússola, uma bússola que flutua. Mas não se contentou com isto. Tomou em seguida-e isto é que é a verdadeira experiência de Œrsted - um fio, que fechava o circuito duma pilha por onde passava, portanto, uma corrente eléctrica, e apròximou-o da nossa agulha magnética flutuante. Que sucedeu? A agulha agitou-se e pôs-se em cruz com o fio. Como o fio separado da pilha não exerce acção alguma dêste género, é a corrente, estabelecida quando se fecha o circuito, que actua. E eis tudo. Este o facto essencial revelado por Œrsted em 1819: a corrente exerce uma acção sobre o íman. Conhecida, pouco depois, em Paris, a experiência de Œrsted, Arago verifica-a, reconhece a sua exactidão e desenvolve-a. Com efeito, reconhece mais que a corrente não somente exerce uma acção sôbre a agulha magnética como se fôra um íman, mas ainda se comporta em presença do ferro como um íman. A própria corrente converte-se num verdadeiro íman. Mergulhando um fio metálico, percorrido por uma corrente, em limalha de ferro, Arago retira-o coberto de limalha aderente como se fôra um íman. Alguns dias depois Arago encontra Ampère e põe-no ao corrente das experiências que acaba de realizar. Ampère repete a experiência de Œrsted, formulando logo a sua regra a conhecida regra de Ampère da física clássica-que consiste em dizer que uma corrente rectilínea, que exerce uma acção sobre um íman, tende sempre a pô-lo em cruz com ela, de maneira que o pólo austral fica à esquerda, supondo o observador deitado ao longo do condutor, voltado para o íman, passando a corrente no sentido dos pés para a cabeça. A esquerda da corrente é a esquerda do observador. Ampère pensa imediatamente que os efeitos de magnetização revelados por Arago devem poder ser aumentados, utilizando as propriedades do multiplicador de Schweiger. Com efeito, êste último tinha reconhecido que, enrolando o fio sôbre si mesmo, se aumenta a sua acção sobre a agulha magnética. Pelo mesmo processo, pensou Ampère, devem aumentar os efeitos de magnetização. A experiência foi logo feita: numa vara de ferro foi enrolado fio isolado. Fazendo passar a corrente no fio, a vara transformou-se num íman e atraiu pedaços de ferro. Abrindo o circuito, isto é, interrompendo a corrente, os fragmentos de ferro caíram por terra. Ampère acabava assim de inventar o electro-íman. Repetindo a experiência, reconhece que se a vara é de ferro, tudo se passa sempre como fica dito. Mas se a vara é de aço, êste adquire, pela acção da corrente, uma magnetização persistente que sobrevive depois de interrompida a corrente. Está, pois, descoberto o meio de fabricar ímans permanentes. A união da electricidade e do magnetismo, já entrevista por Œrsted, tornou-se evidente. A electridade mostrou-se capaz de produzir efeitos magnéticos. Podia-se, no entanto, senão reforçar a demonstração - a fornecida por Ampère era suficiente-pelo menos completá-la. Foi o que fez Faraday um pouco depois. Tomemos uma bobina um multiplicador aperfeiçoado. A corrente que a atravessa magnetiza a barra de ferro, como o disse Ampère. Mas não será possível a acção oposta ?, preguntou Faraday. A electricidde produz magnetismo: ¿porque é que o magnetismo não há-de produzir electricidade? Experimentemos. Foi o que Faraday. No circuito da bobina, em vez de pilha, colocou um galvanómetro; na própria bobina colocou um íman: o galvanómetro sofreu logo um desvio. Estava descoberta a indução. O ímãn produz, por indução, uma corrente eléctrica. Faraday reconhecera ainda que uma corrente pode ser produzida, por indução, por outra corrente. Mas voltemos a Ampère. Não se lhe deve sòmente o electro-íman e a descoberta do electro-magnetismo, formulando a lei geral das atracções e repulsões electro-magnéticas. Fundou também a electro-dinâmica. «O estudo experimental pelo qual Ampère estabeleceu as leis da acção mecânica que se exerce entre as correntes elétricas constitue uma das mais brilhantes façanhas da sciência. Parece que êste conjunto de teoria e de experiência brotara em toda a sua força, com todas as suas armas, do cérebro do Newton da electricidade. A sua forma é perfeita, o rigor inatacável, e tudo se resume numa fórmula de onde podem deduzir-se todos os fenómenos e que ficará sempre a fórmula fundamental da electrodinâmica.» ¿Quem fala assim ? Maxwell, um dos grandes génios criadores da física moderna. ¿E qual é esta fórmula, tão elogiada por Maxwell? São três curtas frases, pelas quais Ampère enuncia, depois de os ter reconhecido experimentalmente, os princípios das correntes paralelas, das correntes angulares, das correntes sinuosas. Por meio de experiências muito simples, segundo uma disposição hoje clássica, mas ao alcance de todos, Ampère mostra que: 1.º Duas correntes paralelas do mesmo sentido atraem-se, de sentido contrário repelem-se. 2.º Duas correntes não paralelas atraem-se quando ambas se apròximam ou se afastam do cruzamento; repelem-se se uma se apròxima e outra se afasta. 3.º Uma corrente sinuosa actua como uma rectilínea da mesma intensidade e tendo as mesmas extremidades, com a condição da distância ser considerável em relação à amplitude das sinuosidades. E, nestes enunciados tão simples, está todo o fundamento da electrodinâmica. Maxwell razão tinha para dizer que obra tão considerável como que brotara dum jacto do cérebro do Newton da electricidade. Com efeito, oito dias depois de ter conhecimento de experiência de Œrsted, Ampère levava aos seus colegas da Academia das Sciências a impecável fórmula das suas leis! Quais foram as conseqüência das descobertas de Ampère? Todo o viver social nelas está mergulhado e por elas é dominado. Os oradores da grandiosa festa da Sorbonne o proclamaram bem alto com o aplauso de muito e ilustres electricistas que do mundo inteiro, de quási todas as nações da Europa, da América e dos confins da Ásia, acorreram a Paris para prestar homenagem ao génio criador de Ampère. E êste bemfeitor da humanidade, criador de indústrias que ocupam hoje centenas de milhares de operários e utilizam capitais de muitos biliões, realizara as suas descobertas num pequeno quarto da rua Cardinal-Lemoine, a dois passos do lugar onde garatujo estas linhas, pois que o ilustre físico não possuía laboratório! Fôra êle mesmo quem fizera a tôsca mesa sôbre a qual realizara os seus imortais trabalhos de electrodinâmica. E uma das mais tocantes scenas desta cerimónia, em que se celebrava um génio imortal, deu-se no momento em que o ilustre químico Daniel Berthelot, professor da Faculdade de Farmácia e presidente da junta de organização do centenário das descobertas de Ampère, afirmou que «o Colégio de França possue ainda a mesa rudimentar feita pelas suas próprias mãos» - e depois, apontando com o dedo, acrescentou: «Ela aí está diante de vós, vêde-a!» E, naquela mesa, tão pequenina, tão humilde, dentro do rico e majestoso quadro da Sorbonne, naquela tão grande miséria material criadora de tantas riquezas, parecia ver-se a imagem viva da sciência francesa, intuïtiva, criadora, esquècida do seu próprio bem para só se lembrar do bem do género humano. (1) As Publicações Vida Intelectual vão editar uma colecção - Sábios e crentes - onde esta vida será narrada. Os três primeiros volumes - Pasteur, Lamarck, Ampère - aparecerão dentro de poucos meses. | |
dc.title | “O centenário das descobertas de Ampère” | |
dc.type | artigo de imprensa |